sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Do papel, a vida.


Ele para na frente da máquina de escrever. Já fazia meses que não o fazia. Ele passava, a olhava, e só. Vez ou outra chegou a levantar o pano colocado sobre ela para que não ficasse empoeirada, mas ainda assim não a tocou.

Desta vez não apenas a tocou, colocou algumas folhas em branco e se preparava para escrever. Olhava as folhas e pensava em uma velha frase.
"rasgar uma folha em branco é como fazer um aborto"
E era, o cheiro de novo já havia sumido daquelas folhas, mas ainda estavam ali, esperando a hora de nascer.

A máquina estava bem lubrificada e cheia de tinta, diferente do escritor. Ele estava enferrujando lentamente desde antes de parar de escrever, agora estava ali parado, com os dedos sobre as teclas, pensando no que escrever, e como.

Não queria escrever sobre a vida, não, não agora. Mas lembrou-se do aborto e começou de qualquer modo. De uma maneira louca, esquizofrênica, os dedos se mexiam em uma velocidade em que seus próprios olhos bem treinados mal conseguiam ver. Escreveu. Preencheu as páginas uma atrás da outra, preencheu vidas, belas ou feias, corretas e erradas, mas vidas acima de tudo.
Não tirou as mãos da máquina de escrever sequer para alimentar o seu vício na cafeína. Sequer lia o que escrevia, olhar, mente e coração estavam focados, mais do que nunca, no seus olhos podia-se ver o brilho mais soturno que já houve. O brilho da morte, do assassino, do pistoleiro em frente à batalha.

Não houve erros na escrita, não houve correções. Não se pode corrigir a vida, não se pode apagar o que se escreveu, mesmo que no fim não goste.
Mas sempre se pode pegar uma nova folha e criar mais uma vida.

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