quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

O que já morreu não pode ser morto

Então é madrugada novamente, sem café. Entretanto há Vivaldi.
Há também grandes problemas com pessoas ao redor, sempre há.
E há lembranças. Das boas, das neutras, das arrasadoras... pois não há lembrança que seja ruim de verdade.
Há aquela boa lembrança de quando um dia um venerável mestre me ensinou que meus olhos podiam mostrar bem mais do que a mascará que eu pousava sobre eles, quando se olha com atenção.
Passa de relance aquela fagulha neutra de memória de pessoas que se autodestruíam enquanto eu, mas não apenas eu, lhes estendia a mão. De alguma forma é sempre tarde demais para elas.
E então, dançando ao ritmo da melodia ela vem, linda, magnífica, fazendo tremer a mais prepotente das mentes. Ela vem e entre um sorriso luminoso me pergunta como tenho passado.

Os olhos se fecham na esperança fútil de tudo acabar. Um dia funcionou, ou quase isso.
Mas ela cobra sacrifícios, desde que nasceu [sob outras músicas não tão belas], e veio cobrá-los novamente.
E então algo queimou.
Não queimou forte, não criou muita luz, fraquejou e quase sumiu.
E em cada lado do par de olhos que se fechou, um se abriu. Desumanos, cansados, furiosos e famintos.
Olham entre si, esperando.
E os primeiros olhos se abrem, ainda humanos, como um pedido de desculpas.
Ela sussurra que já era tarde. Passa o olhar para os outros olhos, vê o brilho deles, sente o calor ainda fraco que emana deles e some.
E do eco da escuridão ela canta a sua própria melodia, como lembrança e aviso, que aquela sombra a ela pertence.

E um corpo prestes a cair é levantado por seus próprios demônios, e seus rosnados perduram através da eternidade no florescer de uma nova rosa.