domingo, 23 de janeiro de 2011

Daniela no Carnaval

David Coimbra



Daniela. Linda e reservada. Discreta. Queria namorar com ela. Estou falando em namorar, não em sexo casual, algumas noites de loucuras e prazeres inenarráveis. Compromisso, manja? Andar de mãos dadas pelo shopping. Cinema. Sorvete. Essas coisas.
Mas, claro, ela nunca havia me olhado duas vezes seguidas. Tinha lá um namorado. Dizia que gostava dele. Ele, lógico, era uma besta. Por que as mulheres bonitas e interessantes namoram bestas?

Bem, tudo ia normal, Daniela com sua besta, eu sozinho. Até chegar o Carnaval. Decidi ficar em Porto Alegre - ia trabalhar. À noite, fui assistir aos desfiles das escolas de samba. Fui apenas porque não tinha nada mais empolgante para fazer. Estava lá, meio entediado, pensando que talvez fosse melhor ter ficado em casa vendo Telecine Action, quando Daniela fez sua aparição. Foi isso que aconteceu - foi uma aparição. Ela estava no alto de um carro, era destaque da escola. Usava roupas sumárias, faiscantes, sambava equilibrada em um escarpim sem fim e abria os braços, como se saudasse o povo, os seus súditos. Era uma rainha. Isso que ela era: uma rainha.
Segui-a com os olhos, enfeitiçado. Ali, na arquibancada, decidi que precisava vê-la na dispersão. Não sabia bem o que ia fazer ou dizer, tinha vontade de me atirar aos pés dela, abraçar suas canelas macias e gritar, rouco de paixão:
- Minha rainha! Minha rainha!
Bem, talvez fizesse isso mesmo.

Rumei para a dispersão. Caminhava sofregamente, desviando das pessoas, batendo nelas, quase correndo. Cheguei lá, mas a princípio não a encontrei. Uma confusão de gente se pechando e rindo, as pessoas riem no Carnaval. Olhei, procurei, já estava desistindo, quando senti sua presença às minhas costas.
Virei-me, ansioso. Ela! Imponente. Soberana. Uma rainha. Abri a boca, ia falar algo, mas fiquei indeciso. Ela, ao contrário, deu um passo na minha direção. Ficou tão perto que eu podia sentir-lhe o cheiro doce do hidratante. Nívea, acho.
- Meu namorado viajou para Florianópolis - sussurrou ela, com uma voz tão meiga que me doeu o pâncreas. - Estou furiosa e quero companhia. Quer ser minha companhia hoje?
Não acreditei. Será possível? Será que fui lambido pela língua de fogo do Espírito Santo? Balbuciei:
- Arran - queria dizer algo mais inteligente do que arran, mas não consegui. Mesmo assim, ela entendeu:
- Então vamos.

Tomou-me a mão. Conduziu-me até o carro. No caminho, eu ia pensando: não é possível, vai acontecer algo, não tenho tanta sorte assim. Chegamos ao apartamento dela. Eu desconfiado, sentindo o coração bater no gogó.
Ela enfiou a chave na fechadura. Fiquei olhando a mãozinha girar a chave. Unhas redondas e curtas. Não gosto de mulher com unhas compridas. Uma volta para a esquerda. Duas. Ela sorriu para mim um sorriso de dentes pequenos. Bons dentes. Quem será seu dentista? Escolheu outra chave do chaveiro, uma maior, parecia uma daquelas espigas de milho nanicas, como eles fazem aquelas espigas? A porta se abriu com ruído. Ela sorriu de novo. Estava me viciando no sorriso dela.
Entramos.
- Vou buscar uma champanha - ela disse, armada com outro dos seus sorrisos perigosos.
Ofereci-me para abrir. Tive alguma dificuldade. É preciso ter polegares fortes para abrir champanhes. Consegui, afinal: POC!
Brindamos. Bebemos. Ela ficou bem perto de mim. Eu ofegava. Ela se aproximou mais. Mais.

Corta.
Não vou descrever todas as coisas maravilhosas que aconteceram naquele apartamento. Só revelo que acordei enrodilhado no corpo nu de Daniela e que essa é uma sensação que jamais esquecerei.

O Carnaval terminou e não encontrei Daniela outra vez. Dias depois, estava sentado no Lilliput, bebericando um chope cremoso com os amigos, e aconteceu. Lá vinha ela pela calçada. Estava com o namorado. O tal que tinha ido para Santa Catarina.
Caminhavam de mãos dadas. Mais do que mãos dadas, dedos entrelaçados. Prendi a respiração. Ela me viu. Veio na minha direção, puxando o namorado. Veio. Veio. A dois metros de mim, sorriu um sorriso arrancado do mesmo lote que me hipnotizou no Carnaval.
- Tudo bem? - cumprimentou-me.
- Tudo...

O namorado me olhou, desinteressado. Continuaram caminhando. Desapareceram na esquina da Padre Chagas. Compreendi que havia sido o instrumento da vingança de Daniela. Eu fora escolhido por ela para castigar o namorado.
Talvez devesse ficar feliz. Talvez. Mas, depois de conhecer Daniela, ter provado das delícias de estar com Daniela, como ia viver sem ela? Diga: como?