quarta-feira, 20 de maio de 2009

Como ir ao cinema sozinho

Isso de ir ao cinema sozinho. Durante a semana, nenhum problema. Chego de mão no bolso, tomo um expresso antes, dou a chamada passada d'olhos... peraí, um apóstrofo, estava ansioso para usar um. Vou até repetir: dou uma passada d'olhos no último Ed MacBain que comprei ali na livraria e, enfim, entro na sessão. Ao fim do filme, saio tranquilo, vou para casa pensando na história, talvez encontre o Eduardo e o meu irmão Régis para um chope, e talicoisa.

O drama é o sábado à noite. Uma vez tentei ir ao cinema sozinho num sábado à noite. Cheguei lá e, puxa, todos aqueles casais. Eles ficaram me olhando:

- Olha aquele cara sozinho no cinema num sábado à noite.

Tenho certeza que apontavam para mim. Que cochichavam. Alguns riam. Eu, um cara sozinho, absolutamente sozinho, uma aberração. O que havia de errado comigo, que não estava de namorada? Será que ela havia me dado o bolo, coitado de mim? Será que nenhuma mulher desta cidade fervente de mulheres solteiras, descasadas, viúvas, sequiosas de companhia, será que nenhuma delas queria ir comigo ao cinema justamente num sábado à noite???

Era o que comentavam. Sei disso! Comprei meu ingresso e me aprumei. Queria salvar minha dignidade. Tentei aparafusar no rosto uma expressão satisfeita, de quem estava sozinho por preferência, entendem? Uma opção. Ensaiei até um meio sorriso. Se tivesse um celular faria de conta que estava conversando com uma moça. Falaria no tom que habitualmente as pessoas usam ao celular. Aos berros:

- Alô? Ah, oi, Clá. Estou entrando no cinema. Por que não te convidei? Bem, Clá, tu sabes que gosto de ir ao cinema sozinho. A solidão também é importante, Clá. Lembra quando tu ganhaste o Garota Verão e as pessoas não te deixavam em paz? Pois é, Clá. A solidão às vezes é um bálsamo. Depois? Está certo, depois do filme nos encontramos, querida. O quê? Heim? Ah, pode ser aquela calcinha preta de rendinha que tu usaste a última vez...

Mas não tinha celular. O único recurso era a linguagem não-verbal. Como se parece uma pessoa completamente satisfeita por estar sozinha no cinema num sábado à noite? Já sei: sobrancelha esquerda levantada, olhar sonhador de quem está esperando uma noite inefável, talvez um assobiozinho. Sim, um assobio pega bem.

Foi assim que entrei na sala. O filme começou. O mundo ficou sem importância por duas horas. Esqueci de tudo, até de que estava sozinho no cinema num sábado à noite. Mas, quando a ação acabou, as luzes se acenderam, como sempre se acendem. Os casais todos se levantaram, vestiram seus casacos, apanharam suas bolsas. Antes que reparassem em mim, saí pisando firme, sem olhar para os lados. Não queria encontrar ninguém conhecido. Deus me livre pegar a fama de quem vai sozinho ao cinema num sábado à noite.


Coimbra, David. Mulheres! p. 14-15

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